A criança é um ser que filtra as informações de seu contexto, construindo sua trajetória psicológica na interação com ambientes físicos e sociais. Assim, em um meio de tensão, como da pandemia de COVID-19, é esperado que as crianças estejam sensíveis, com comportamentos diferentes dos habituais e faça muitas perguntas, pois sua tranquilidade para pensar, realizar tarefas e lidar com sentimentos está modificada.

É com essa preocupação que o comitê científico do Núcleo da Ciência Pela Infância produziu recentemente um estudo que aborda os efeitos da pandemia do COVID-19 sobre as crianças e o desenvolvimento infantil.

Separamos as principais questões que envolvem diretamente as crianças para ajudar todos os envolvidos no desenvolvimento dos pequenos a lidar melhor com tudo isso, seja com seus filhos em casa, pacientes infantis ou alunos.

Para uma criança pequena, é muito mais difícil entender a emergência vivida em uma pandemia. Ela ainda não tem os recursos cognitivos necessários para compreender algo tão abstrato como o coronavírus. Ainda nos estágios iniciais do desenvolvimento da afetividade e da inteligência, elas se guiam pelas experiências, pelo que podem ver, ouvir, tocar, cheirar, imaginar, imitar, dizer, brincar. Muito mais do que atentar para os conceitos que explicam a situação excepcional, elas se guiam pela observação de seus pais ou familiares. Como eles interagem entre si e com elas? Estão próximos e carinhosos? Estão juntos, mas “distantes”, ansiosos, sem tempo para ficar com elas?

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Esse tipo de comportamento dos pais é muito particular de cada caso. O mesmo estímulo ou ambiente não provoca necessariamente as mesmas reações em diferentes crianças ou até em diferentes momentos de uma mesma criança. Ou seja: a resposta da criança a um estímulo do ambiente depende, em alto grau, de sua condição cognitiva e emocional; e esta condição tem a ver com os adultos que a cercam.

O stress surge da relação entre uma situação desconfortável e os recursos disponíveis da pessoa para lidar com ela, coisas que são muito difíceis para uma criança pequena, sobretudo se os seus pais não puderem ajudá-la.

Sem entender  direito a situação e como lidar com ela, reagindo principalmente às mudanças que percebem no comportamento dos familiares e em sua rotina de vida, é natural que os pequenas passem a dormir mal, não comer, chorar, morder, demonstrar apatia ou distanciamento: são formas que elas tem de lidar com a situação adversa. Porém, são formas ineficientes, que prejudicam seus processos de aprendizagem, desenvolvimento e convivência.

As situações de incerteza e de perdas causadas pela pandemia do COVID-19 podem provocar nas crianças sentimentos de raiva, medo da doença e ansiedade pela perda do vínculo com pessoas, seja por distanciamento, adoecimento ou morte. Essas reações tendem a ser ainda mais intensas pelo fato de as mudanças causadas pela COVID-19 terem acontecido muito de repente e afetarem completamente o nosso dia a dia, o que prejudica a função reflexiva, que é a capacidade de compreender as atitudes dos outros e agir de maneira adequada.

Um exemplo é o eventual aumento de respostas agressivas por parte da criança. É uma reação esperada quando o período de stress se prolonga e atinge um “nível tóxico”. Nesse caso, os neurônios que controlam as respostas de medo ficam mais ativos nas crianças, fazendo com o que o cérebro delas interprete mais situações como ameaçadoras e reaja de acordo. Compreender essas reações e emoções é fundamental para ajudar a criança a desenvolver a autopercepção, ajudá-la a criar regras de interpretação de suas experiências e mecanismos para regular suas emoções adequadamente. Esse momento da pandemia é, portanto, uma oportunidade de estimular as crianças a refletir sobre o que ela está sentindo e como ela está reagindo a diferentes situações.

Um estudo preliminar realizado na província chinesa de Shaanxi, por exemplo, avaliou na segunda semana de fevereiro de 2020, os efeitos imediatos da pandemia da COVID-19 no desenvolvimento psicológico de 320 crianças e adolescentes de ambos os sexos de 3 a 18 anos de idade. Os resultados mostraram que os problemas emocionais e comportamentais mais prevalentes foram distração, irritabilidade, medo de fazer perguntas sobre a epidemia e querer “ficar agarrados” aos familiares. Além disso, foram verificados casos de insônia, pesadelos, falta de apetite, desconforto físico e agitação. As crianças na faixa etária mais jovem (3 a 6 anos) manifestaram mais o sintoma de querer ficar “grudadas” nos pais e temer que membros da família fossem contaminados. As crianças mais velhas, por sua vez, manifestaram mais desatenção e dúvidas.

Deve-se também destacar que este contexto de stress altera profundamente as atividades físicas e o sono, que são essenciais para o desenvolvimento infantil saudável. Há inúmeras evidências da profunda influência desses fatores sobre a plasticidade cerebral (capacidade de constante remodelação do cérebro, influenciada pela experiência e que se estende ao longo da vida) e, consequentemente, o desenvolvimento cognitivo e emocional. Neste momento em que vivemos uma total modificação de nossas rotinas, torna-se um desafio a manutenção adequada dessas atividades para que se possa preservar uma vida saudável.

Quando a origem do stress é a percepção de um evento ameaçador, estudos apontam que o modelo para lidar com ele (coping) envolve o atendimento a três necessidades psicológicas universais, que valem tanto para o adulto quanto para a criança:

  1. Relacionamento ou senso de pertencimento – trata-se de sentir-se aceito e compreendido pelos outros, ter relações próximas estáveis, seguras e duradouras;
  2. Competência – a sensação de manter o controle da situação de forma eficaz para gerenciar desafios e cumprir metas e objetivos;
  3. Autonomia – ter a chance de agir e acreditar em sua capacidade de realizar tarefas ou tomar decisões, assumindo as consequências do seu próprio comportamento.

Portanto, mesmo em um cenário de stress, repleto de restrições, é necessário que se mantenham relacionamentos, ainda que virtuais, assegurando o pertencimento a grupos, a manutenção do senso de competência e o exercício de autonomia e tomadas de decisão.

 

Seguem-se, então, algumas recomendações para lidar com as crianças:

  • Procurar entender suas reações de birra, manha, carência ou outras como respostas a uma situação tensa, e não como desafio ao adulto; ajudá-la a perceber essa relação e tranquilizá-la.
  • Estimular a realização de atividades físicas (as possíveis no espaço do confinamento), de preferência em horários determinados
  • Manter os horários de sono da criança de forma parecida com a de sua rotina normal
  • Dedicar tempo para fortalecer os laços do grupo familiar, com brincadeiras e atividades que reforcem a união
  • Possibilitar a manutenção dos laços de amizade da criança, ainda que de forma virtual
  • Delegar tarefas dentro de casa, na medida das possibilidades da criança
  • Elogiar a criança por atos bem feitos (desde manter o silêncio quando lhe foi pedido, até brincar ou comunicar-se corretamente), aceitar os eventuais recuos em etapas que já haviam sido superadas (como chupar dedo ou fazer manha) como sinais de insegurança que devem ser tratados com carinho, não broncas.

 

Para encorajar ainda mais os pequenos, que tal entregar à eles um Diploma de Herói da Quarentena? Uma forma simples de agradecer e incentivar o bom comportamento das crianças.

   

Para fazer o download do arquivo, clique aqui.

 

 

 

 

 

Texto editado

Fonte – NCPI, “Repercussões da Pandemia de COVID-19 no Desenvolvimento Infantil”

Créditos de imagem – Freepik –  prostooleh

2 Replies to “Repercussões da Pandemia de COVID-19 nas Crianças”

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